Crédito Imagem: Javier Ábalos
A mais bela história do mundo, contada a todos
Na imagem, Telma G. Laurentino e o seu organismo de estudo: o esgana-gata (Gasterosteus aculeatus); foto por Franciso Pina-Martins
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Quem Sou? A Telma G. Laurentino é estudante de doutoramento no Instituto Zoológico da Universidade de Basel, na Suíça. O grupo de investigação de que faz parte (Salzburger Lab, Berner group) estuda evolução, adaptação e genómica em populações de esgana-gata de várias zonas do mundo. A Telma já trabalhou com várias espécies de vários ramos da árvore da vida, sendo os répteis os seus preferidos. O seu livro português de divulgação científica predileto é “A evolução culminou no homem?” por Teresa Avelar. Pode ler mais sobre o trabalho dela aqui e aqui e pode também segui-la no twitter @TelmaLaurentino |
A minha pergunta: Como é que a seleção natural molda o genoma das espécies?
A pesquisa dos últimos 200 anos permitiu-nos compreender muito claramente que diferentes ambientes selecionam diferentes características dos organismos que maximizam a sua sobrevivência e reprodução. O que ainda não compreendemos inteiramente é como e quão rápido este processo atua, especialmente ao nível do genoma.
No lago Konstanz os esgana-gata são grandes, atrevidos, vivem em água aberta, onde se alimentam de zooplâncton, e estão altamente protegidos por uma armadura externa de dentina! No entanto, nos ribeiros circundantes, a mesma espécie tem características bem diferentes: são mais pequenos e a sua armadura é reduzida, e vivem no fundo do ribeiro onde se alimentam de pequenos invertebrados, escondendo-se constantemente entre as pedras.
A pesquisa dos últimos 200 anos permitiu-nos compreender muito claramente que diferentes ambientes selecionam diferentes características dos organismos que maximizam a sua sobrevivência e reprodução. O que ainda não compreendemos inteiramente é como e quão rápido este processo atua, especialmente ao nível do genoma.
No lago Konstanz os esgana-gata são grandes, atrevidos, vivem em água aberta, onde se alimentam de zooplâncton, e estão altamente protegidos por uma armadura externa de dentina! No entanto, nos ribeiros circundantes, a mesma espécie tem características bem diferentes: são mais pequenos e a sua armadura é reduzida, e vivem no fundo do ribeiro onde se alimentam de pequenos invertebrados, escondendo-se constantemente entre as pedras.
Ilustrações de Telma Laurentino
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O que queremos compreender é como e com que velocidade é que a natureza seleciona estas diferenças e como elas estão codificadas no genoma. Para isso desenhámos uma experiência com o intuito de capturar a seleção natural a atuar em tempo-real! Criámos híbridos dos dois ambientes (lago-ribeiro) em laboratório (lembrem-se que eles são da mesma espécie, apenas habitam ambientes diferentes, por isso tudo o que tivemos que fazer foi fertilizar ovos de fêmea do lago com esperma de macho do ribeiro e vice-versa) e libertámos estes híbridos num ribeiro com condições naturais.
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Esperámos um ano, e voltámos ao ribeiro para observar os sobreviventes. Tínhamos várias questões, sendo a maiores:
- Será que a composição genética dos sobreviventes é mais parecida com a das populações naturais de ribeiro?
- Será que um ano é tempo suficiente para a seleção natural atuar?
As respostas a estas perguntas permitem-nos compreender melhor a evolução: Se os sobreviventes tem características genéticas muito mais parecidas com as populações naturais de ribeiro, então sabemos que o que estamos a observar é de facto a seleção natural a atuar! Se um ano foi suficiente para capturarmos estes padrões, então sabemos que a seleção pode atuar rapidamente, mesmo dentro de uma geração! E foi exatamente isso que observámos.
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O que é novo e excitante nos dados da nossa experiência é observarmos a seleção natural atuar em frente aos nossos olhos: O ribeiro selecionou rapidamente as características indispensáveis à sobrevivência do esgana-gata nesse ambiente! Agora, explorando melhor o manual do IKEA do esgana-gata podemos saber que características são essas.
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A história fica ainda mais bela quando chega a todos!
Em paralelo com a minha investigação, gosto de partilhar o meu fascínio pela evolução com tanta gente quanto possa. No entanto, a história mais bela do mundo tem sido maioritariamente contada através de informação visual: fotografias, gráficos, livros, documentários… O que excluiu pessoas com deficiência visual — 253 milhões de pessoas, em todo o mundo.
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Em conjunto com a Marisa Xavier, desenvolvemos uma árvore da vida multissensorial que conta a história da evolução a quem não a pode ver.
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Fotografias por Marisa Xavier e Telma G. Laurentino do evento da evALLution na Associação Promotora do Ensino dos Cegos (APEC)
Os esgana-gata provaram ser um excelente organismo também para ensinar evolução a pessoas com deficiência visual. As diferenças de armadura entre os esgana-gata de ribeiro e lago são facilmente sentidas quando os tocamos ao longo do corpo, assim como a diferente posição da boca entre os que se alimentam em água aberta, no lago e o que o fazem no fundo do ribeiro (têm a boca disposta mais ventralmente)!
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Foi gratificante ver que, com acesso à biodiversidade e informação básica, as pessoas com deficiência visual conseguiram prever que no lago ter uma armadura maior assegura a sobrevivência do esgana-gata face aos grandes predadores que não encontram nos ribeiros, sentindo assim, pela primeira vez, a ação da seleção natural.
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Assim, o meu parágrafo na história mais bela, escrito em conjunto com todos os meus coautores, contribui para a compreensão das forças evolutivas geradoras de biodiversidade e tenta que esse conhecimento chegue a todos, independentemente de como experimentam o mundo.
02.12.2019
02.12.2019