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Beagle de Darwin
Crédito Imagem: Javier Ábalos
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Os indivíduos e seus cardápios

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Na imagem, Raul Costa Pereira (https://rcosta-pereira.weebly.com)
​Quem Sou?
Olá, aqui quem escreve é Raul Costa Pereira. Sou professor associado da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), São Paulo, Brasil (felizmente, as universidades ainda funcionam por aqui, apesar dos esforços nefastos do atual governo). Me sinto na obrigação começar dizendo que me considero mais um ecólogo do que um biólogo evolucionista. Antes que o leitor aficionado por evolução desista de ler as linhas que se seguem, digo que tive a sorte de mergulhar um pouco mais em biologia evolutiva durante meu breve, mas proveitoso tempo como pesquisador pós-doc no MiteSquad, o competentíssimo e divertidíssimo grupo de pesquisa liderado pela Sara Magalhães. Depois de passar alguns anos como pesquisador nos Estados Unidos, Nova Zelândia, Canadá e, é claro, Portugal, regressei à minha terra ‘onde canta o sabiá’ em janeiro de 2020 para o desafio de lecionar e fazer ciência na Unicamp.


email de contacto: costaper@unicamp.br
​O que investigo?
É bem verdade que a importância da variação entre indivíduos não é novidade para biólogos evolucionistas. Afinal, esse é um dos combustíveis para evolução. Entretanto, é curioso que ecólogos têm historicamente deixado de lado a importância da variação entre indivíduos para processos ecológicos em ecossistemas. Pensemos em uma teia alimentar, como aquelas que estudamos no colégio. Para representar uma interação entre um predador e sua presa, desenhamos uma seta, uma ligação conectando, por exemplo, uma raposa a uma lebre. Conceitualmente, essa ligação representa uma interação entre espécies, não entre indivíduos. Ou seja, estamos implicitamente dizendo que todos os indivíduos dessa espécie de raposa se alimentam de lebres. Apesar de conveniente, essa simplificação falha em capturar a complexidade de interações ecológicas na natureza. Hoje, sabemos que indivíduos em populações naturais diferem substancialmente no que comem e em como se comportam. Aposto que o leitor deve conhecer o cão de um amigo que é preguiçoso, enquanto o cão de outro colega é arisco, estabanado. Esse é um exemplo corriqueiro de diversidade comportamental entre indivíduos de uma mesma espécie, e, na natureza, se olharmos com atenção, podemos observar cenas parecidas. Assim, nas últimas décadas ecólogos começaram a estudar com maior interesse como, porque e quais as consequências dessa diversidade ecológica entre indivíduos.
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​Na imagem, indivíduo de Leptodactylus fuscus, umas das espécies que estudei. Foto de Matheus Moroti.
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Desde o começo das minhas investigações científicas, tenho estudado variação individual no uso de recursos em diversos organismos: desde pequenos invertebrados até peixes gigantes. Aqui, quero gastar as próximas linhas falando um pouco sobre os animais que trabalhei durante meu doutoramento. Estudei um grupo curioso de espécies tropicais rãs (Figura 1) que são ecologicamente muito parecidas: se alimentam dos mesmos tipos de presas, são ativas nos mesmos períodos do dia e se abrigam nos mesmos abrigos. Meu interesse nesse sistema remete a uma duradoura pergunta em ecologia: como espécies ecologicamente similares conseguem coexistir na natureza? Meu palpite era que variações ecológicas dentro das espécies, ou seja, entre indivíduos, poderiam ter um papel importantes nas interações entre espécies.
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​ Na imagem, uma das lagoas no Pantanal onde coletamos as rãs.

Pois bem, para começar, o que fiz, com a valiosa ajuda de amigos, foi coletar rãs em diferentes lagoas no Pantanal (Figura 2), um bioma único e não muito distante de onde cresci no Brasil central. Então eu precisava encontrar algum modo de saber as preferências alimentares de cada rã, o que não é uma tarefa lá muito simples. Para isso usamos uma técnica com nome complicado: isótopos estáveis de carbono e nitrogênio. Essa análise nos permitiu “ler” o cardápio de cada indivíduo ao longo do tempo: alguns indivíduos, por exemplo, comiam mais besouros, enquanto outros adoravam formigas e cupins (Figura 3). Observamos que em algumas lagoas, indivíduos de rãs têm dietas mais diferentes entre si do que em outras lagoas, o que depende da quantidade de insetos disponíveis em cada lagoa e da quantidade de espécies de rãs que vivem ali. Ainda mais interessante foi perceber que alguns indivíduos de rãs têm menus muito mais diversos do que outros. Algumas rãs mantêm dietas mais ou menos constantes ao logo do tempo (como eu que sempre pedia alheira nos meus bons tempos em Lisboa), enquanto outras estão sempre a mudar de dieta: ora besouros, ora formigas, ora peixes, ora mosquitos. No final das contas, aqueles indivíduos de rãs que tiveram dietas mais variantes ao longo do tempo foram também os maiores, mais fecundos e com menos parasitas dentro de suas populações. Esses resultados sugerem que, pelo menos no mundo pantanoso das rãs, ignorar as opções do cardápio e sempre pedir o mesmo prato pode não ser uma ideia tão boa quanto parece.
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Na imagem, exemplo do cardápio de uma rã (Leptodactylus fuscus).


Referências bibliográficas
  • Costa-Pereira R, Araújo MS, Souza FL, Ingram T (2019) Competition and resource breadth shape niche variation and overlap in multiple trophic dimensions. Proc. R. Soc. B.28620190369
  • Costa‐Pereira R, Toscano B, Souza FL, Ingram T, Araújo MS (2019) Individual niche trajectories drive fitness variation. Funct Ecol. 2019; 33: 1734– 1745.

13.08.2020
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