Crédito Imagem: Javier Ábalos
Bactérias cooperantes? Parece um oximoro...
Na imagem, Alex (andre) Figueiredo (Fotografia: INTEGRA Biosciences AG).
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Quem Sou? Sou o Alex (“andre” opcional) Figueiredo, estudante de doutoramento na Universidade de Zurique, na Suíça. Nesta universidade, faço parte de dois grupos de investigação, o Rolf Kümmerli Lab, no Departamento de Biomedicina Quantitativa, e o Andreas Wagner Lab, no Departamento de Biologia Evolutiva e Estudos Ambientais. Sou originário de Lisboa e fiz a licenciatura e o mestrado na FCUL, em Biologia Evolutiva e do Desenvolvimento. Durante o mestrado, tive o enorme prazer de pertencer ao Mite Squad, onde investiguei alguns aspectos da competição sexual nos machos dos adoráveis ácaros-aranha. email de contacto: [email protected] |
O que investigo?
Se antes já trabalhava com uns bichos que mal se vêem a olho nu, agora é ainda mais complicado ver o meu organismo de estudo. Estou a trabalhar com bactérias, investigando o modo como cooperam umas com as outras. Bactérias cooperantes? Parece um oximoro, mas longe vão os tempos em que víamos as bactérias como simples robots a viver num “cada-um-por-si” nos solos, águas, animais e plantas. Agora, sabe-se que as bactérias interagem constantemente umas com as outras. Por um lado, estão em constante competição, pois muitas vezes há pouco espaço e poucos nutrientes disponíveis. Mas também há muitos casos de entreajuda entre micróbios. Alguns constroem “cidades” (chamadas “biofilmes”) onde várias espécies coexistem e se protegem mutuamente; outros trocam “comida” (imaginem: o micróbio A produz um nutriente de que o micróbio B precisa; o micróbio B retribui produzindo algo de que o micróbio A necessita); e até há uns que cometem suicídio para salvar os seus colegas de colónia. |
Na imagem, várias populações de Pseudomonas aeruginosa durante evolução experimental. Estas bácterias são conhecidas por produzir pigmentos amarelos-azuis-esverdiados, que dão estas cores magníficas às suas culturas.
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Trabalho principalmente com a (des)conhecida bactéria Pseudomonas aeruginosa, um micróbio fascinante mas bem chato, já que infecta pessoas com sistemas imunitários enfraquecidos ou problemas pulmonares. No entanto, o que torna este patógeno interessante é o facto de exibir comportamentos sociais bastante complexos. O comportamento social que estudo é a partilha de moléculas que obtêm ferro do meio ambiente. Estas moléculas, os sideróforos (do grego “sidero” = ferro; “foreas” = transportador), são secretadas pelas células bacterianas quando se “sentem anímicas” e, precisamente por serem secretadas, ficam disponíveis não só para a bactéria que as produziu mas para todas as bactérias à sua volta que tenham um receptor que lhes permita apanhá-las. O volta-face é que como os sideróforos são moléculas que custam muito a produzir, qualquer Pseudomonas que tenha uma mutação que lhe impeça de produzir sideróforos, vai ter uma vantagem enorme sobre as outras. A estes mutantes chamamos “batoteiros” e, desde que se mantenham rodeados por bactérias produtoras de sideróforos, são muito favorecidos pela selecção natural; aproveitam-se dos sideróforos dos outros sem terem os custos metabólicos de os produzir. Por vezes, a vantagem que os batoteiros têm é tão grande que acabam por exceder os produtores, podendo até levar à extinção da população por já não haver nenhuma bactéria a produzir sideróforos! O meu trabalho envolve as dinâmicas entre estes mutantes batoteiros e os produtores de sideróforos à sua volta. Para isso uso evolução experimental para tentar responder às seguintes perguntas: que condições ecológicas permitem o aparecimento de batoteiros? Como é que os produtores de sideróforos se adaptam à presença de batoteiros? Podemos seleccionar bactérias para serem “super-cooperantes”? As respostas serão publicadas em breve (espero)!.
Cooperação e conflito no microbiota e os seus efeitos nos hospedeiros animais.
Outro fenómeno que me fascina é a simbiose entre animais e micróbios. Hoje em dia, sabemos que entre os micróbios que vivem dentro de nós (o microbiota) não há só patógenos, muitos deles não têm efeitos particulares ou são até benéficos. Mas os micróbios não têm efeitos só nos hospedeiros: como referi antes, também estão em constante interacção uns com os outros, seja em competição por recursos ou em cooperação. Estas interacções têm frequentemente efeitos profundos nos seus hospedeiros animais. Por exemplo, competição por recursos entre micróbios pode impedir um micróbio prejudicial de nos infectar. Outras vezes, um micróbio coopera com outro ao produzir algum nutriente de que este precise. O segundo micróbio, por sua vez, produz um nutriente que nós podemos absorver nos nossos intestinos, fazendo esta cooperação entre micróbios directamente benéfica para nós.
Outro fenómeno que me fascina é a simbiose entre animais e micróbios. Hoje em dia, sabemos que entre os micróbios que vivem dentro de nós (o microbiota) não há só patógenos, muitos deles não têm efeitos particulares ou são até benéficos. Mas os micróbios não têm efeitos só nos hospedeiros: como referi antes, também estão em constante interacção uns com os outros, seja em competição por recursos ou em cooperação. Estas interacções têm frequentemente efeitos profundos nos seus hospedeiros animais. Por exemplo, competição por recursos entre micróbios pode impedir um micróbio prejudicial de nos infectar. Outras vezes, um micróbio coopera com outro ao produzir algum nutriente de que este precise. O segundo micróbio, por sua vez, produz um nutriente que nós podemos absorver nos nossos intestinos, fazendo esta cooperação entre micróbios directamente benéfica para nós.
Recentemente, eu e um colega escrevemos um artigo de revisão sobre este tema, no qual explorámos as formas como os micróbios interagem e que efeitos estas interacções têm nos hospedeiros. Vamos depois um pouco mais longe, e argumentamos que a diversidade de micróbios que um certo animal alberga é indicadora dos tipos de interacções que ocorrem entre micróbios e os efeitos que terão nos animais. Essencialmente, os microbiotas onde muitas espécies de micróbios coexistem, são principalmente moldados por competição entre micróbios. Isto previne que os micróbios se adaptem (só) ao hospedeiro e impede a evolução de mutualismos puros entre micróbios e hospedeiros. Por esta razão, argumentámos ser mais provável que qualquer efeito benéfico que as bactérias tenham para “nós” seja um by-product da sua adaptação às outras bactérias, e não que tenha evoluído por ser benéfico para nós. Por outro lado, os microbiotas simples nos quais só um punhado de espécies coabitam num hospedeiro, são geralmente marcados por cooperação entre micróbios. Isto, por sua vez, facilita a adaptação dos micróbios aos hospedeiros (e vice-versa). Aqui sim, poderão haver adaptações nas bactérias que tenham evoluído por serem benéficas para os hospedeiros. Nestes casos, mutualismos obrigatórios podem evoluir, levando a que hospedeiro e micróbio já não consigam viver um sem o outro.
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Esquema simplificado que representa as interacções entre bactérias num microbioma simples (A) e complexo (B). Nos microbiomas com poucas espécies de micróbios, estes maioritariamente cooperam entre si e com o hospedeiro (setas pretas), sendo a competição (seta vermelha) mais rara. Por outro lado, nos microbiomas complexos prevalece a competição, e os efeitos para o hospedeiro derivam principalmente de adaptações a outras bactérias. |
O panorama científico do estudo dos microbiomas está repleto de trabalhos descritivos, que apesar de muito importantes não contam a história toda. Apenas recentemente começámos a entender a relevância das interacções entre micróbios dentro nós e há ainda muito por descobrir neste micro-mundo. Muitas descobertas que aguardam pacientemente por ser feitas neste campo, sem dúvida terão implicações importantes, tanto teóricas (por exemplo no nosso entendimento da ecologia e evolução de interacções simbionte(s)-hospedeiro) como práticas (por exemplo na saúde humana e veterinária)
Referências bibliográficas
07.07.2020
Referências bibliográficas
07.07.2020