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BEAGLE DE DARWIN
Toda a investigação em Biologia Evolutiva

Crédito Imagem: Javier Ábalos
BEM-VINDOS ao BEAGLE DE DARWIN!

Um fórum da Associação Portuguesa de Biologia Evolutiva que divulga o mais recente trabalho de investigação em Biologia Evolutiva desenvolvido em Portugal, ou por investigadores Portugueses, pelo mundo fora.

Se gostavas de ter o teu trabalho exposto aqui, manda-nos um email!  
Para aceder a publicações mais antigas, visita o site anterior clicando aqui

2020

Genética das populações e grupos sociais: como pequenos grupos podem aumentar a diversidade genética

A organização em grupos sociais é uma das grandes transições da história evolutiva. A estrutura social desempenha um papel importante para muitas espécies e são diversos os taxa no reino animal onde encontramos organização social. A evolução social é geralmente interpretada como um modo de conferir benefícios em termos de sucesso reprodutor, protecção e recursos: em muitas espécies, indivíduos de um mesmo grupo cooperam para defender um território, procurar alimento, detectar predadores ou proteger as crias.

​A subdivisão em grupos sociais influencia a diversidade genética (heterozigotia esperada) ou genotípica (heterozigotia observada). Sob a teoria clássica da genética populacional, espera-se que unidades relativamente pequenas e desconectadas sofram deriva genética e acumulem consaguinidade, o que pode afectar a capacidade das populações de sobreviver e responder a alterações ambientais.

No entanto, grande parte dos estudos em genética populacional tem ignorado grupos sociais – a mais pequena unidade de reprodução. A maioria dos estudos empíricos foca-se num nível de organização estrutural superior, ou seja, a população, ou num conjunto de indivíduos amostrados no mesmo habitat. Em estudos teóricos, os grupos sociais, quando considerados, são modelados como conjuntos de pequenas unidades (“demes”) onde os indivíduos acasalam ao acaso. Apesar destes modelos terem contribuído significativamente para compreendermos as forças que influenciam a diversidade genética, grupos sociais são bem mais do que um conjunto de indivíduos com reprodução aleatória. 
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Na imagem, sifaka de coroa dourada. A sifaka de coroa dourada (Propithecus tattersalli) é uma das espécies mais emblemáticas de lémures de Madagáscar. É um lémur arbóreo de grande porte que vive em grupos sociais estáveis com territórios bem definidos. Créditos: Erwan Quéméré.
 Nos últimos anos desenvolvemos um modelo de simulação de dados genéticos num mundo virtual de grupos sociais, onde os indivíduos se podem reproduzir  através de diversos sistemas de acasalamento (e.g. monogamia, poliginia). Usando simulações, demonstrámos que a estrutura social é capaz de manter altos níveis de diversidade genotípica. Este resultado parece contradizer a ideia de que pequenos grupos acumulam níveis elevados de consanguinidade. No trabalho que publicámos recentemente no jormal Heredity, aplicámos o modelo de simulação a uma espécie de lémur, a sifaka de coroa dourada, uma espécie em perigo crítico de extinção. Este estudo revelou que quando os dados são analisados ​​ao nível da unidade social, e não ao nível de subdivisão geográfica, e.g. fragmento florestal (“população” como na grande maioria dos estudos de genética populacional), observam-se grandes níveis de diversidade genotípica. A comparação com dados simulados permitiu demonstrar que, nesta espécie, a simples subdivisão estrutural em grupos sociais é suficiente para manter altos os níveis de diversidade genotípica (heterozigotia observada) sem que a espécie necessite de recorrer a estratégias comportamentais para evitar a endogamia (“inbreeding avoidance”).

Este artigo é o resultado da combinação entre trabalho teórico e empírico. Artigo completo aqui.
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email de contacto: brparreira@hotmail.com
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Na imagem, amostra de excrementos de sifaka. As várias espécies de sifaka são um modelo perfeito para estudos genéticos de conservação não invasivos. A maioria dos indivíduos não foge aquando da aproximação humana uma vez que as espécies são protegidas por tabus locais e não são caçadas. Também por esta razão, o material fecal é muito fácil de amostrar, pois as sifakas são principalmente activas durante o dia e defecam com relativa frequência, fornecendo assim material fresco regular. Como tal, a equipa de campo em Madagáscar foi capaz de obter uma grande colecção de amostras fecais desta espécie. Infelizmente, é importante realçar que a situação está a mudar rapidamente em Madagáscar com um aumento da caça de espécies de sifakas por razões complexas.
Este trabalho foi realizado por:
Bárbara Parreira: Geneticista de populações, nos últimos anos tem desenvolvido modelos computacionais para compreender a influência de diferentes níveis de estrutura populacional na diversidade genética das espécies. Investigadora pós-doutorada afiliada ao Population and Conservation Genetics group, Instituto Gulbenkian de Ciência, aquando da publicação deste trabalho.

Erwan Quéméré: Biólogo evolutivo e da conservação, actualmente estuda fitness-related traits e as bases genéticas do comportamento. É investigador associado no INRAE, Rennes, França.

Cécile Vanpé: Bióloga da conservação, actualmente o seu trabalho foca grandes mamíferos, evolução de comportamentos e estimação de densidades populacionais. É assistente no projecto do urso-pardo no Gabinete Nacional da Caça e Fauna Selvagem, França.

Inês Carvalho: Bióloga da conservação, o seu trabalho foca-se especialmente em cetáceos com principal destaque para a conservação dos golfinhos do Sado. É investigadora pós-doutorada a trabalhar no Population and Conservation Genetics group, Instituto Gulbenkian de Ciência.

Lounès Chikhi: Geneticista de populações, o seu trabalho foca-se na história demográfica recente das espécies e no desenvolvimento de métodos  para esse fim. É o investigador Principal do  Population and Conservation Genetics group, Instituto Gulbenkian de Ciência, e também investigador do CNRS afiliado à Universidade Paul Sabatier em Toulouse, França.


Financiamento: Fundação para a Ciência e a Tecnologia (ref. SFRH/BPD/118783/2016 to BP, ref. SFRH/BPD/97566/2013 and IGD-DL57NT-32, ref. PTDC/BIA-BIC/4476/2012, PTDC/BIA-BEC/100176/2008, PTDC-BIA-EVL/30815/2017 to LC). 2015-2016 BiodivERsA COFUND, ANR (ANR-16-EBI3-0014) e Fundação para a Ciência e Tecnologia ref. Biodiversa/0003/2015 e PT-DLR 01LC1617A). LABEX e TULIP (ANR-10-LABX-41 and ANR-11-IDEX-0002-02) e LIA BEEG-B (Laboratoire International Associé–Bioinformatics, Ecology, Evolution, Genomics and Behaviour). Investissement d’Avenir grant of the Agence Nationale de la Recherche (CEBA: ANR-10-LABX-25-01).

Os indivíduos e seus cardápios

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​Quem Sou?
Olá, aqui quem escreve é Raul Costa Pereira. Sou professor associado da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), São Paulo, Brasil (felizmente, as universidades ainda funcionam por aqui, apesar dos esforços nefastos do atual governo). Me sinto na obrigação começar dizendo que me considero mais um ecólogo do que um biólogo evolucionista. Antes que o leitor aficionado por evolução desista de ler as linhas que se seguem, digo que tive a sorte de mergulhar um pouco mais em biologia evolutiva durante meu breve, mas proveitoso tempo como pesquisador pós-doc no MiteSquad, o competentíssimo e divertidíssimo grupo de pesquisa liderado pela Sara Magalhães. Depois de passar alguns anos como pesquisador nos Estados Unidos, Nova Zelândia, Canadá e, é claro, Portugal, regressei à minha terra ‘onde canta o sabiá’ em janeiro de 2020 para o desafio de lecionar e fazer ciência na Unicamp.


email de contacto: costaper@unicamp.br

Na imagem, Raul Costa Pereira (https://rcosta-pereira.weebly.com)
​O que investigo?
É bem verdade que a importância da variação entre indivíduos não é novidade para biólogos evolucionistas. Afinal, esse é um dos combustíveis para evolução. Entretanto, é curioso que ecólogos têm historicamente deixado de lado a importância da variação entre indivíduos para processos ecológicos em ecossistemas. Pensemos em uma teia alimentar, como aquelas que estudamos no colégio. Para representar uma interação entre um predador e sua presa, desenhamos uma seta, uma ligação conectando, por exemplo, uma raposa a uma lebre. Conceitualmente, essa ligação representa uma interação entre espécies, não entre indivíduos. Ou seja, estamos implicitamente dizendo que todos os indivíduos dessa espécie de raposa se alimentam de lebres. Apesar de conveniente, essa simplificação falha em capturar a complexidade de interações ecológicas na natureza. Hoje, sabemos que indivíduos em populações naturais diferem substancialmente no que comem e em como se comportam. Aposto que o leitor deve conhecer o cão de um amigo que é preguiçoso, enquanto o cão de outro colega é arisco, estabanado. Esse é um exemplo corriqueiro de diversidade comportamental entre indivíduos de uma mesma espécie, e, na natureza, se olharmos com atenção, podemos observar cenas parecidas. Assim, nas últimas décadas ecólogos começaram a estudar com maior interesse como, porque e quais as consequências dessa diversidade ecológica entre indivíduos.
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​Na imagem, indivíduo de Leptodactylus fuscus, umas das espécies que estudei. Foto de Matheus Moroti.
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Desde o começo das minhas investigações científicas, tenho estudado variação individual no uso de recursos em diversos organismos: desde pequenos invertebrados até peixes gigantes. Aqui, quero gastar as próximas linhas falando um pouco sobre os animais que trabalhei durante meu doutoramento. Estudei um grupo curioso de espécies tropicais rãs (Figura 1) que são ecologicamente muito parecidas: se alimentam dos mesmos tipos de presas, são ativas nos mesmos períodos do dia e se abrigam nos mesmos abrigos. Meu interesse nesse sistema remete a uma duradoura pergunta em ecologia: como espécies ecologicamente similares conseguem coexistir na natureza? Meu palpite era que variações ecológicas dentro das espécies, ou seja, entre indivíduos, poderiam ter um papel importantes nas interações entre espécies.
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​ Na imagem, uma das lagoas no Pantanal onde coletamos as rãs.

Pois bem, para começar, o que fiz, com a valiosa ajuda de amigos, foi coletar rãs em diferentes lagoas no Pantanal (Figura 2), um bioma único e não muito distante de onde cresci no Brasil central. Então eu precisava encontrar algum modo de saber as preferências alimentares de cada rã, o que não é uma tarefa lá muito simples. Para isso usamos uma técnica com nome complicado: isótopos estáveis de carbono e nitrogênio. Essa análise nos permitiu “ler” o cardápio de cada indivíduo ao longo do tempo: alguns indivíduos, por exemplo, comiam mais besouros, enquanto outros adoravam formigas e cupins (Figura 3). Observamos que em algumas lagoas, indivíduos de rãs têm dietas mais diferentes entre si do que em outras lagoas, o que depende da quantidade de insetos disponíveis em cada lagoa e da quantidade de espécies de rãs que vivem ali. Ainda mais interessante foi perceber que alguns indivíduos de rãs têm menus muito mais diversos do que outros. Algumas rãs mantêm dietas mais ou menos constantes ao logo do tempo (como eu que sempre pedia alheira nos meus bons tempos em Lisboa), enquanto outras estão sempre a mudar de dieta: ora besouros, ora formigas, ora peixes, ora mosquitos. No final das contas, aqueles indivíduos de rãs que tiveram dietas mais variantes ao longo do tempo foram também os maiores, mais fecundos e com menos parasitas dentro de suas populações. Esses resultados sugerem que, pelo menos no mundo pantanoso das rãs, ignorar as opções do cardápio e sempre pedir o mesmo prato pode não ser uma ideia tão boa quanto parece.
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Na imagem, exemplo do cardápio de uma rã (Leptodactylus fuscus).


Referências bibliográficas
  • Costa-Pereira R, Araújo MS, Souza FL, Ingram T (2019) Competition and resource breadth shape niche variation and overlap in multiple trophic dimensions. Proc. R. Soc. B.28620190369
  • Costa‐Pereira R, Toscano B, Souza FL, Ingram T, Araújo MS (2019) Individual niche trajectories drive fitness variation. Funct Ecol. 2019; 33: 1734– 1745.

13.08.2020

2020

Bactérias cooperantes? Parece um oximoro...

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​Quem Sou?
Sou o Alex (“andre” opcional) Figueiredo, estudante de doutoramento na Universidade de Zurique, na Suíça. Nesta universidade, faço parte de dois grupos de investigação, o Rolf Kümmerli Lab, no Departamento de Biomedicina Quantitativa, e o Andreas Wagner Lab, no Departamento de Biologia Evolutiva e Estudos Ambientais. Sou originário de Lisboa e fiz a licenciatura e o mestrado na FCUL, em Biologia Evolutiva e do Desenvolvimento. Durante o mestrado, tive o enorme prazer de pertencer ao Mite Squad, onde investiguei alguns aspectos da competição sexual nos machos dos adoráveis ácaros-aranha.
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email de contacto: alexandre_r_t_figueiredo@msn.com

Na imagem, Alex (andre) Figueiredo (Fotografia: INTEGRA Biosciences AG).
​O que investigo?
Se antes já trabalhava com uns bichos que mal se vêem a olho nu, agora é ainda mais complicado ver o meu organismo de estudo. Estou a trabalhar com bactérias, investigando o modo como cooperam umas com as outras. Bactérias cooperantes? Parece um oximoro, mas longe vão os tempos em que víamos as bactérias como simples robots a viver num “cada-um-por-si” nos solos, águas, animais e plantas. Agora, sabe-se que as bactérias interagem constantemente umas com as outras. Por um lado, estão em constante competição, pois muitas vezes há pouco espaço e poucos nutrientes disponíveis. Mas também há muitos casos de entreajuda entre micróbios. Alguns constroem “cidades” (chamadas “biofilmes”) onde várias espécies coexistem e se protegem mutuamente; outros trocam “comida” (imaginem: o micróbio A produz um nutriente de que o micróbio B precisa; o micróbio B retribui produzindo algo de que o micróbio A necessita); e até há uns que cometem suicídio para salvar os seus colegas de colónia.  

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​Na imagem, várias populações de Pseudomonas aeruginosa durante evolução experimental. Estas bácterias são conhecidas por produzir pigmentos amarelos-azuis-esverdiados, que dão estas cores magníficas às suas culturas. 

Trabalho principalmente com a (des)conhecida bactéria Pseudomonas aeruginosa, um micróbio fascinante mas bem chato, já que infecta pessoas com sistemas imunitários enfraquecidos ou problemas pulmonares. No entanto, o que torna este patógeno interessante é o facto de exibir comportamentos sociais bastante complexos. O comportamento social que estudo é a partilha de moléculas que obtêm ferro do meio ambiente. Estas moléculas, os sideróforos (do grego “sidero” = ferro; “foreas” = transportador), são secretadas pelas células bacterianas quando se “sentem anímicas” e, precisamente por serem secretadas, ficam disponíveis não só para a bactéria que as produziu mas para todas as bactérias à sua volta que tenham um receptor que lhes permita apanhá-las. O volta-face é que como os sideróforos são moléculas que custam muito a produzir, qualquer Pseudomonas que tenha uma mutação que lhe impeça de produzir sideróforos, vai ter uma vantagem enorme sobre as outras. A estes mutantes chamamos “batoteiros” e, desde que se mantenham rodeados por bactérias produtoras de sideróforos, são muito favorecidos pela selecção natural; aproveitam-se dos sideróforos dos outros sem terem os custos metabólicos de os produzir. Por vezes, a vantagem que os batoteiros têm é tão grande que acabam por exceder os produtores, podendo até levar à extinção da população por já não haver nenhuma bactéria a produzir sideróforos! O meu trabalho envolve as dinâmicas entre estes mutantes batoteiros e os produtores de sideróforos à sua volta. Para isso uso evolução experimental para tentar responder às seguintes perguntas: que condições ecológicas permitem o aparecimento de batoteiros? Como é que os produtores de sideróforos se adaptam à presença de batoteiros? Podemos seleccionar bactérias para serem “super-cooperantes”? As respostas serão publicadas em breve (espero)!.
Cooperação e conflito no microbiota e os seus efeitos nos hospedeiros animais.​
​Outro fenómeno que me fascina é a simbiose entre animais e micróbios. Hoje em dia, sabemos que entre os micróbios que vivem dentro de nós (o microbiota) não há só patógenos, muitos deles não têm efeitos particulares ou são até benéficos. Mas os micróbios não têm efeitos só nos hospedeiros: como referi antes, também estão em constante interacção uns com os outros, seja em competição por recursos ou em cooperação. Estas interacções têm frequentemente efeitos profundos nos seus hospedeiros animais. Por exemplo, competição por recursos entre micróbios pode impedir um micróbio prejudicial de nos infectar. Outras vezes, um micróbio coopera com outro ao produzir algum nutriente de que este precise. O segundo micróbio, por sua vez, produz um nutriente que nós podemos absorver nos nossos intestinos, fazendo esta cooperação entre micróbios directamente benéfica para nós. 

​Recentemente, eu e um colega escrevemos um artigo de revisão sobre este tema, no qual explorámos as formas como os micróbios interagem e que efeitos estas interacções têm nos hospedeiros. Vamos depois um pouco mais longe, e argumentamos que a diversidade de micróbios que um certo animal alberga é indicadora dos tipos de interacções que ocorrem entre micróbios e os efeitos que terão nos animais. Essencialmente, os microbiotas onde muitas espécies de micróbios coexistem, são principalmente moldados por competição entre micróbios. Isto previne que os micróbios se adaptem (só) ao hospedeiro e impede a evolução de mutualismos puros entre micróbios e hospedeiros. Por esta razão, argumentámos ser mais provável que qualquer efeito benéfico que as bactérias tenham para “nós” seja um by-product da sua adaptação às outras bactérias, e não que tenha evoluído por ser benéfico para nós. Por outro lado, os microbiotas simples nos quais só um punhado de espécies coabitam num hospedeiro, são geralmente marcados por cooperação entre micróbios. Isto, por sua vez, facilita a adaptação dos micróbios aos hospedeiros (e vice-versa). Aqui sim, poderão haver adaptações nas bactérias que tenham evoluído por serem benéficas para os hospedeiros. Nestes casos, mutualismos obrigatórios podem evoluir, levando a que hospedeiro e micróbio já não consigam viver um sem o outro.
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Esquema simplificado que representa as interacções entre bactérias num microbioma simples (A) e complexo (B). Nos microbiomas com poucas espécies de micróbios, estes maioritariamente cooperam entre si e com o hospedeiro (setas pretas), sendo a competição (seta vermelha) mais rara. Por outro lado, nos microbiomas complexos prevalece a competição, e os efeitos para o hospedeiro derivam principalmente de adaptações a outras bactérias.

O panorama científico do estudo dos microbiomas está repleto de trabalhos descritivos, que apesar de muito importantes não contam a história toda. Apenas recentemente começámos a entender a relevância das interacções entre micróbios dentro nós e há ainda muito por descobrir neste micro-mundo. Muitas descobertas que aguardam pacientemente por ser feitas neste campo, sem dúvida terão implicações importantes, tanto teóricas (por exemplo no nosso entendimento da ecologia e evolução de interacções simbionte(s)-hospedeiro) como práticas (por exemplo na saúde humana e veterinária) 


Referências bibliográficas
  • Figueiredo ART, Kramer J (2020) Cooperation and Conflict Within the Microbiota and Their Effects On Animal Hosts. Front. Ecol. Evol., 8 - 132

07.07.2020

2019

A mais bela história do mundo, contada a todos

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Na imagem, Telma G. Laurentino e o seu organismo de estudo: o esgana-gata (Gasterosteus aculeatus); foto por Franciso Pina-Martins
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​Quem Sou?


A Telma G. Laurentino é estudante de doutoramento no Instituto Zoológico da Universidade de Basel, na Suíça. O grupo de investigação de que faz parte (Salzburger Lab, Berner group) estuda evolução, adaptação e genómica em populações de esgana-gata de várias zonas do mundo. A Telma já trabalhou com várias espécies de vários ramos da árvore da vida, sendo os répteis os seus preferidos. O seu livro português de divulgação científica predileto é “A evolução culminou no homem?” por Teresa Avelar. 

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Pode ler mais sobre o trabalho dela aqui e aqui e pode também segui-la no twitter @TelmaLaurentino

​O que investigo?

Tenho o privilégio de ser uma dos milhares de autores que (d)escrevem a história mais bela do mundo: a evolução. Enquanto bióloga evolutiva, foco-me principalmente nos efeitos da seleção natural em populações de animais selvagens, e em como esta força evolutiva gera e molda a biodiversidade.

Atualmente, investigo a evolução dos Esgana-gata (Gasterosteus aculeatus) centro-europeus e tento compreender como a seleção natural promove a adaptação de populações deste peixe em diferentes habitats, e como é que essa adaptação está codificada no genoma do esgana-gata.

​​Ilustração de Telma Laurentino
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​O genoma é basicamente o manual do IKEA de como construir uma espécie!
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Toda a informação necessária para que um esgana-gata tenha as características físicas de esgana-gata, em vez de parecer… um bacalhau! Está escrita em 460 Megas de informação genética, codificada em sequências de 4 letras apenas: ATCG. Eu procuro os diferentes padrões no código genético de esgana-gatas adaptados a diferentes ambientes para compreender como são codificadas e selecionadas as características importantes para a sobrevivência e continuidade da espécie.
A minha pergunta: Como é que a seleção natural molda o genoma das espécies?

A pesquisa dos últimos 200 anos permitiu-nos compreender muito claramente que diferentes ambientes selecionam diferentes características dos organismos que maximizam a sua sobrevivência e reprodução. O que ainda não compreendemos inteiramente é como e quão rápido este processo atua, especialmente ao nível do genoma.
No lago Konstanz os esgana-gata são grandes, atrevidos, vivem em água aberta, onde se alimentam de zooplâncton, e estão altamente protegidos por uma armadura externa de dentina! No entanto, nos ribeiros circundantes, a mesma espécie tem características bem diferentes: são mais pequenos e a sua armadura é reduzida, e vivem no fundo do ribeiro onde se alimentam de pequenos invertebrados, escondendo-se constantemente entre as pedras.

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O que queremos compreender é como e com que velocidade é que a natureza seleciona estas diferenças e como elas estão codificadas no genoma. Para isso desenhámos uma experiência com o intuito de capturar a seleção natural a atuar em tempo-real!
Criámos híbridos dos dois ambientes (lago-ribeiro) em laboratório (lembrem-se que eles são da mesma espécie, apenas habitam ambientes diferentes, por isso tudo o que tivemos que fazer foi fertilizar ovos de fêmea do lago com esperma de macho do ribeiro e vice-versa) e libertámos estes híbridos num ribeiro com condições naturais.

​​Ilustrações de Telma Laurentino
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Esperámos um ano, e voltámos ao ribeiro para observar os sobreviventes. Tínhamos várias questões, sendo a maiores:
  • Será que a composição genética dos sobreviventes é mais parecida com a das populações naturais de ribeiro?
  • Será que um ano é tempo suficiente para a seleção natural atuar?​
As respostas a estas perguntas permitem-nos compreender melhor a evolução: Se os sobreviventes tem características genéticas muito mais parecidas com as populações naturais de ribeiro, então sabemos que o que estamos a observar é de facto a seleção natural a atuar! Se um ano foi suficiente para capturarmos estes padrões, então sabemos que a seleção pode atuar rapidamente, mesmo dentro de uma geração! E foi exatamente isso que observámos.
O que é novo e excitante nos dados da nossa experiência é observarmos a seleção natural atuar em frente aos nossos olhos: O ribeiro selecionou rapidamente as características indispensáveis à sobrevivência do esgana-gata nesse ambiente! Agora, explorando melhor o manual do IKEA do esgana-gata podemos saber que características são essas.

​A história fica ainda mais bela quando chega a todos!

Em paralelo com a minha investigação, gosto de partilhar o meu fascínio pela evolução com tanta gente quanto possa. No entanto, a história mais bela do mundo tem sido maioritariamente contada através de informação visual: fotografias, gráficos, livros, documentários… O que excluiu pessoas com deficiência visual — 253 milhões de pessoas, em todo o mundo.
​Em conjunto com a ​Marisa Xavier, desenvolvemos uma árvore da vida multissensorial que conta a história da evolução a quem não a pode ver.
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Fotografias por Marisa Xavier e Telma G. Laurentino do evento da evALLution na Associação Promotora do Ensino dos Cegos (APEC)
​Os esgana-gata provaram ser um excelente organismo também para ensinar evolução a pessoas com deficiência visual. As diferenças de armadura entre os esgana-gata de ribeiro e lago são facilmente sentidas quando os tocamos ao longo do corpo, assim como a diferente posição da boca entre os que se alimentam em água aberta, no lago e o que o fazem no fundo do ribeiro (têm a boca disposta mais ventralmente)!
Foi gratificante ver que, com acesso à biodiversidade e informação básica, as pessoas com deficiência visual conseguiram prever que no lago ter uma armadura maior assegura a sobrevivência do esgana-gata face aos grandes predadores que não encontram nos ribeiros, sentindo assim, pela primeira vez, a ação da seleção natural.
​Assim, o meu parágrafo na história mais bela, escrito em conjunto com todos os meus coautores, contribui para a compreensão das forças evolutivas geradoras de biodiversidade e tenta que esse conhecimento chegue a todos, independentemente de como experimentam o mundo.

​02.12.2019

Conseguem as populações adaptar-se ao aquecimento global?

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​Keywords: Aquecimento global; Evolução experimental; Adaptação; História Evolutiva; Drosophila subobscura; 

​​Link para o projeto: 
https://ce3c.ciencias.ulisboa.pt/research/projects/ver.php?id=151

​Quem Somos?
Somos o grupo Adaptação Local em Drosophila e fazemos parte do cE3c – Centro de Ecologia, Evolução e Alterações Ambientais.
Mais aqui: https://ce3c.ciencias.ulisboa.pt/sub-team/local-adaptation-in-drosophila
email de contacto: pmsimoes@fc.ul.pt 

O que investigamos?
​O nosso trabalho tem-se focado em tentar perceber como se processa a adaptação de populações a novos ambientes. Presentemente, estamos a estudar a evolução de populações do insecto Drosophila subobscura num cenário de aquecimento global. O principal interesse científico do projecto ADAPTCLIMWARM, que apresentamos abaixo, prende-se com o potencial evolutivo das populações em resposta a ambientes térmicos dinâmicos.


O impacto do aquecimento global na biodiversidade é um dos maiores problemas da actualidade, sendo essencial prever a magnitude dos seus efeitos para definir de estratégias de conservação adequadas. Uma questão fundamental é perceber até que ponto as populações se conseguirão adaptar com a rapidez necessária de modo a acompanhar as mudanças ambientais a que estão sujeitas. Uma abordagem evolutiva, num cenário de alterações climáticas, é assim da maior importância, permitindo tomar decisões mais bem informadas nas políticas de conservação.

No projecto ADAPTCLIMWARM (PTDC/BIA-EVL/28298/2017) estamos a analisar as alterações evolutivas de populações sujeitas a diferentes ambientes térmicos, recorrendo à evolução experimental - evolução em tempo real, sob condições laboratoriais controladas. Drosophila subobscura é um excelente modelo para estudar adaptação térmica. Estudos nesta espécie documentaram alterações evolutivas a nível mundial previstas pelo aquecimento global, respostas evolutivas a eventos climáticos extremos e, ainda, variação latitudinal e sazonal na frequência de inversões cromossómicas relacionadas com resposta a alterações térmicas (Rezende et al. 2010).
Neste projecto utilizamos populações de D. subobscura derivadas de latitudes contrastantes (Portugal e Holanda) que já se encontram adaptadas às condições gerais de laboratório (Simões et al. 2017), nomeadamente à temperatura constante de 18ºC. Pretende-se, agora, caracterizar a resposta evolutiva destas populações num ambiente de aquecimento global. Para isso serão sujeitas a três regimes térmicos distintos: (1) aquecimento global, com flutuação circadiana (diária), aumento de temperatura média (0.2ºC) e amplitude térmica (0.5ºC) entre gerações, (2) flutuação circadiana, com temperatura circadiana flutuante e ciclo constante ao longo das gerações e (3) controlo, regime de temperatura constante (ver Figuras 1 e 2).
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Figura 1. As populações PT (Sintra, Portugal) e NL (Groningen, Holanda) foram tri-replicadas em laboratório após fundação a partir das populações naturais e mantidas a 18ºC durante 70 gerações. Cada população deu origem a três outras que, desde então, são sujeitas a três regimes térmicos distintos: (1) aquecimento global, (2) flutuação circadiana, e (3) controlo. Estes regimes serão mantidos pelo menos durante 25 gerações.
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Figura 2. Perfil diário de temperatura dos regimes térmicos ao fim de 25 gerações. As populações controlo mantém a temperatura constante de 18ºC. No regime de flutuação circadiana a temperatura varia diariamente entre os 15 e os 21ºC, mantendo o mesmo perfil. No regime de aquecimento global, ao fim de 25 gerações, a temperatura variará diariamente entre os 13 e os 32ºC.

  • ​Será que as populações se conseguem adaptar rapidamente ao stress térmico?
  • Que genes e mecanismos biológicos estarão implicados nessa resposta evolutiva?
  • Qual o impacto da diferente história das populações na sua capacidade adaptativa ao stress térmico?
  • A presença de diferentes inversões cromossómicas condiciona a adaptação térmica?
Para responder a estas questões, as populações experimentais irão ser estudadas a nível fenotípico e genético, em particular, caracterizando as alterações evolutivas através de ensaios periódicos de: fecundidade, viabilidade, tolerância térmica, expressão génica e frequências de inversões cromossómicas.  

Este projecto apresenta particularidades muito relevantes para a problemática das alterações climáticas:
(1) testa empiricamente, para além do aumento médio da temperatura, um dos maiores efeitos do aquecimento global, o aumento da amplitude térmica, aspeto bastante negligenciado noutros estudos;
(2) analisa a evolução de populações da mesma espécie com histórias evolutivas contrastantes na natureza. Este ponto é particularmente relevante, já que é fundamental que estudos do impacto das alterações climáticas na biodiversidade tenham em conta a variação entre populações.

Em resumo, o ADAPTCLIMWARM estuda o potencial evolutivo das populações na resposta ao aquecimento global, num ambiente rigoroso e altamente controlado. Esta experiência foca as duas principais características do aquecimento global: o aumento da temperatura média e da amplitude térmica. Aumentos graduais impostos nestas duas variáveis térmicas (média e amplitude) permitirão testar, em tempo real, o potencial adaptativo das populações na resposta a perturbações ambientais actuais, contribuindo para melhores previsões da distribuição futura da biodiversidade no planeta.

​Santos MA, Carromeu-Santos, A, Quina, AS, Matos M, Simões P
cE3c – Centro de Ecologia, Evolução e Alterações Ambientais, Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa, Portugal
CESAM UL - Departmento de Biologia da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa & CESAM, Lisboa, Portugal

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Referências bibliográficas
  • Rezende E, Balanyà J, Rodríguez-Trelles F et al (2010) Climate change and chromosomal inversions in Drosophila subobscura. Clim Res 43: 103-114
  • Simões P, Fragata I, Seabra SG et al (2017) Predictable phenotypic, but not karyotypic, evolution of populations with contrasting initial history. Scientific Reports 7: 913

Agradecimentos
Este estudo é financiado pela Fundação para a Ciência e a Tecnologia (FCT) através do projecto ADAPTCLIMWARM (PTDC/BIA-EVL/28298/2017). Os autores gostariam de agradecer ao Centro de Ecologia, Evolução e Alterações Ambientais (cE3c), financiada pela FCT (UID/BIA/00329/2013), pelo apoio para a execução do projecto.

03.11.2019

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